Para uma solução condigna

Muito gostaríamos que este pudesse vir a ser apresentado, no futuro e mormente em época de eleições, como um caso de sucesso da actual governação.
Ou seja, que, apesar de não se ter preocupado devidamente e em tempo oportuno, com a solução a dar ao que provisoriamente ali ficara instalado, conseguiu, em escassas semanas e mercê da congregação dos esforços dos ministérios envolvidos, lançar mãos a uma solução condigna, que lhe enaltece a eficácia.

José d’Encarnação


08 julho, 2008

A reforma falhada: a propósito de alguns problemas causados pela aplicação do Prace ao Património Cultural

Os Arquivos são centros privilegiados de informação, constituindo assim uma realidade indispensável para a gestão do assunto a que se referem.

São uma mais valia que concretiza num único equipamento os objectivos de salvaguardar fisicamente os documentos, impedindo que se perca tudo o que se acumulou ao longo dos anos, centralizando a documentação e permitindo posteriormente a realização de uma série de actividades tais como a organização, classificação e conservação da informação e respectiva informatização.

Deste modo, qualquer instituição, pública ou privada, tem como principal missão a identificação, descrição, análise e consequente organização dos seus Arquivos.

São os documentos que dão sentido às instituições, quer como instrumentos que asseguram a respectiva memória, quer como instrumentos de suporte às decisões.

Constituem um serviço público indispensável ao conhecimento das sociedades e da sua História.

Vem isto a propósito das preocupações já apresentadas ao Sr. Ministro da Cultura, de um conjunto de mais de um milhar de cidadãos que se interrogam sobre a incerteza do destino da Biblioteca e do Arquivo do ex-Instituto Português de Arqueologia, a menos de 2 meses da prevista destruição do espaço onde estão instalados, para dar lugar ao arranque das obras do novo Museu dos Coches.

Embora o objectivo deste texto não seja a análise da questão da oportunidade ou não da construção referida a qual, todavia, ainda ninguém conseguiu justificar duma forma convincente, numa altura em que o país atravessa uma crise financeira sem precedentes, o que pretendemos exprimir sem qualquer hesitação é a nossa perplexidade perante o facto de, muito em breve, corrermos o risco de não só assistirmos ao empacotamento provisório/definitivo da maior biblioteca especializada de Arqueologia do país, cedida graciosamente ao Estado, prevendo-se o mesmo triste fim para o Arquivo da Arqueologia Portuguesa do séc. XX, por ainda não terem sido encontradas instalações adequadas.

Dirão muitos talvez, porém, menos do que alguns pensam, que o governo tem coisas mais importantes com que se preocupar e que a solução certamente será encontrada. Pois eu digo, como cidadã livre e no pleno gozo dos meus direitos, que este não é um assunto de importância menor, já que está intrinsecamente ligado à forma desastrosa, ligeira, irresponsável e reveladora de uma profunda ignorância da realidade, da recente reformulação da área do Património no âmbito da Reforma da Administração Pública.

A modernização desejada e necessária não será conseguida apenas com a extinção de organismos, sobretudo quando essa extinção implica a continuação de serviços neles prestados, cuja transição não é assegurada de uma forma planeada e eficiente.

Porquê mudar o que funciona, o que revela um trabalho profundo de análise e organização, o que eram serviços públicos dignos de louvores e de esforços colectivo? Pior ainda, já que não se trata de mudança mas sim de destruição, da impossibilidade de articular o inarticulável, porquê querer à viva força tentar aplicar o aborto legislativo das leis orgânicas do IGESPAR e das Direcções Regionais de Cultura, destruindo o trabalho realizado durante cerca de três décadas por de três instituições (o ex-IPPAR, o ex-IPA e a ex-DGEMN) que, embora com algumas sobreposições de competências, pelo menos funcionavam?

Como se pode, ao mesmo tempo que se quer a desconcentração regional dos procedimentos relativos à salvaguarda do património, querer concentrar toda a decisão dos processos no IGESPAR? É um absurdo, mas o pior é que, embora haja um consenso sobre este mesmo absurdo, se continua há mais de um ano a escrever documentos e a discutir sobre a melhor maneira de articular o absurdo!!!

E vejamos agora a questão da Inovação e das Tecnologias de Informação, que constituem uma prioridade do actual governo, como forma de recuperar os baixos níveis de produtividade e de competitividade do país.

O trabalho realizado ao longo dos últimos dez anos, quer no IPPAR quer no IPA, permitiu introduzir a ideia da necessidade da construção de sistemas de informação e definir os processos que tornam este objectivo uma realidade para algumas áreas, nomeadamente para a Gestão Documental, de Processos e do Património.

Como responsável pela criação do Sistema de Informação Endovélico (1995-1997), que actualmente conta com cerca 26.000 sítios arqueológicos, quer ainda como responsável pelo desenvolvimento do Sistema de Informação do ex IPPAR, (1999 e Maio de 2007), que contém a informação de todos os Imóveis com protecção legal (ca de 4.500), permito-me chamar a atenção para os principais pontos críticos sobre a evolução dos sistemas no IGESPAR.

Resumem-se estes numa multiplicidade de actores e de decisores, verificando-se uma total ausência de coordenação operacional, envolvendo quer um desajustamento do quadro legal nesta área, já que todo o processo de coordenação das Tecnologias de Informação está cometido à Secretaria Geral do Ministério da Cultura, a qual não tem capacidades técnicas e humanas de cumprir todas as funções que legalmente lhe estão cometidas, quer a descontinuidade e desajustamento entre a lei e o funcionamento dos Sistemas, continuando o do ex-IPA e o do ex IPPAR sem actualização de utilizadores, sem actualização de módulos, verificando-se a incongruência de se enviar documentos para serviços que já não existem e correndo-se o risco dos Sistemas se estarem a transformar num novelo cada vez mais confuso, sem fiabilidade e sem sentido, que só uma orientação conhecedora, um trabalho redobrado e investimentos acrescidos poderão um dia reorganizar.

E o pior é que não se vislumbram, a médio prazo, condições organizacionais e financeiras que permitam a integração desses sistemas!

Caso esta situação se mantenha, tudo aquilo em que se investiu e foi implementado nos Institutos objecto de fusão estará comprometido: tempo, inovação, recursos financeiros, correndo a actual tutela o sério risco de ficar para a História como responsável pela incapacidade de redireccionar avanços técnicos significativos, suportados com avultados investimentos financeiros, para a nova realidade entretanto criada.

A inexistência de instalações adequadas para o Arquivo, cuja consulta diária é indispensável para a instrução dos processos de Arqueologia Preventiva, implicará a paralisação desta actividade e um retrocesso de cerca de 30 anos, já que foi nos idos anos 80, no então IPPC, que se iniciou a organização desse Arquivo, cujos cerca de 23.000 processos, durante os 10 anos do Instituto Português de Arqueologia, foram alvo de integração no Sistema Endovélico, encontrando-se associados aos cerca de 26.000 sítios arqueológicos (cerca de 1400 em meio subaquático), cerca de 6000 projectos, cerca de 25.300 trabalhos arqueológicos e cerca de 15.000 referências bibliográficas.

E nada disto tem a ver com a defesa de qualquer corporação, ou oposição às mudanças tão necessárias quanto saudáveis, quando feitas com conhecimento dos problemas a resolver e com um cuidadoso trabalho de planeamento.

Trata-se sim do interesse de todos nós, quando alertamos para as incongruências, os erros, o retrocesso na modernização e na prestação de serviços públicos.

Numa altura em que mais parecemos uns zombies, anestesiados com as dificuldades anunciadas diariamente nos media, numa sociedade globalizada e dominada por grandes interesses económicos, onde parece que deixou de haver ânimo e espaço para lutar por um mundo diferente, num conformismo cinzento e sem brilho, onde se vai morrendo lentamente, aqui deixo as palavras de Neruda: "Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige esforços muito maiores do que o simples acto de respirar... estejamos vivos então..."

Que esta pequena luta por um espaço para uma grande Biblioteca e para o mais completo Arquivo da Arqueologia Portuguesa do séc. XX, se transforme num mais amplo espaço de luta por uma legislação e gestão condignas para o Património Cultural Português.

Teresa Marques


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