Para uma solução condigna

Muito gostaríamos que este pudesse vir a ser apresentado, no futuro e mormente em época de eleições, como um caso de sucesso da actual governação.
Ou seja, que, apesar de não se ter preocupado devidamente e em tempo oportuno, com a solução a dar ao que provisoriamente ali ficara instalado, conseguiu, em escassas semanas e mercê da congregação dos esforços dos ministérios envolvidos, lançar mãos a uma solução condigna, que lhe enaltece a eficácia.

José d’Encarnação


18 julho, 2008

Para além das incertezas: Caos no Ministério da Cultura?

A saída de Isabel de Pires de Lima da pasta da Cultura não acabou com a crise do sector nem com as persistentes críticas que então lhe eram endereçadas.

Para além da falta crónica de verbas, que tem levado à imobilização da acção institucional do MC, a reestruturação levada a cabo pelo PRACE trouxe de novo aos serviços do Estado uma letargia que se está a transformar num sono de morte.

Reflexo disto foi a sua aplicação nos ex IPPAR, IPA e DGEMN, que levou à criação duma inoperacional e indefinidamente desarticulada estrutura multicéfala, composta por várias direcções gerais: IGESPAR e Direcções Regionais de Cultura.

Paulo Pereira, num artigo premonitório de 19 de Abril de 2007, "Diz que é uma espécie de reforma", constatava que em seu resultado «…verifica-se uma desafectação de recursos humanos válidos e uma desmotivação geral na área do património, perdendo-se a massa crítica que se foi construindo nos últimos vinte anos. Nenhum partido da oposição (irresponsável) faria melhor, caso pretendesse acabar com o sector do património». Concluindo que se deveria: «Reformar compulsivamente esta espécie de "reforma"».

Outras vozes avisadas têm recomendado aos nossos governantes um recuo para uma melhor definição do objecto e atribuições dos organismos destas áreas tão sensíveis, como já foi manifestado no mais recente artigo de opinião "Reformar a Reforma da Gestão do Património Imóvel. Lacuna, sobreposições, conflitos, confusão, desperdícios e abandono!" publicado no jornal Público de 24 de Abril.

Aqui os autores elencam as várias deficiências da reestruturação e os seus efeitos práticos, concluindo que «…esta reforma não descentralizou, nem operacionalizou. A Gestão do Património foi inadmissivelmente politizada: os circuitos de decisão emperram, são incompreensíveis e não assentam em fundamentos científicos, técnicos ou culturais. Vislumbra-se uma alienação de património público como não há memória desde a privatização dos bens da igreja, no século XIX e na 1ª República».

Mas os problemas do nosso património cultural / herança patrimonial, que não têm passado despercebidos nos média, não se reflectirão também na economia do país?

Já em meados de 2006, o Público, numa notícia intitulada "É a cultura, estúpido!", assinada por Joana Gorjão Henriques, apresentava os dados de um estudo encomendado pela Comissão Europeia à KEA, European Affairs, "A Economia Cultural na Europa". Este constatou que o sector cultural e criativo contribuiu em 2003 para 2,6 por cento do Produto Interno Bruto da União Europeia, mais do que os sectores do imobiliário e dos produtos alimentares e bebidas. Salientava o estudo que o turismo cultural representa 15 por cento do valor total do turismo. Em 2003, o sector cultural e criativo tinha um volume total de negócios superior a 654 mil milhões de euros, mais do que o automóvel, e estava a crescer mais ainda do que o resto da economia (12,3 por cento).

Em Portugal o este sector era em 2003 já o terceiro principal contribuinte para o PIB!

Concluía a notícia: «O estudo lembra que o sector cultural e criativo continua a ser largamente ignorado e que só recentemente começou a haver interesse em medir os seus desempenhos sócio-económicos. Um dos motivos, aponta, deve-se à resistência em analisar a cultura da perspectiva económica e de os governos acharem que é sempre um custo, em vez de um investimento».

Mas esta noção do papel económico da cultura presta-se a algumas confusões de conceitos. Miguel Portas, na crónica "Obras de Arte", publicada no semanário Sol do passado dia 5 de Julho, questiona: «Qual o lugar da cultura num país em crise? A resposta de PS e PSD é conhecida. 'Obras de arte' por 'obras de arte', vamos pela engenharia. É por isso natural que José António Pinto Ribeiro acompanhe José Sócrates ao Sabor».

Outro exemplo desta situação é a que reflecte o caso particular do novo Museu dos Coches, sobre o qual vozes críticas se têm levantado para pôr a nu todo o caricato da situação. Será este uma espécie de investimento cultural ou mais uma "obra de arte"?

No blogue sobre museus e museologia, Mouseion, Alexandre Matos assinala as contradições do processo no seu artigo de opinião de 10 de Julho, "Expliquem-me como se eu fosse muito…". O autor levanta questões pertinentes sobre o papel do MC, suscitadas por uma notícia do Expresso: «…a acreditar no que é dito, o Ministério da Cultura (MC) e o Instituto de Museus e Conservação (IMC) não são tidos nem achados no processo de construção do novo Museu dos Coches? Como não? Então qual é a tutela do Museu dos Coches? E deixando de lado as tutelas, para que raio é que existe um governo com diversos ministros, se os homens não falam entre si de projectos comuns?»

Estranha ainda a questão da gestão dos dinheiros pela Economia: «Dizem-me que é um projecto pago pelo dinheiro das verbas do jogo do Casino de Lisboa e por isso é dinheiro do Ministério da Economia (ME), mas confesso que me parece uma desculpa esfarrapada. Em Espinho e noutras cidades com Casino há verbas que são geridas pelas próprias autarquias e o ME não vai lá dizer como gastar o dinheiro, nem quem deve ser escolhido para projectar as obras.»

Questiona: «Para que serve então o MC e o IMC? Não será este último o organismo indicado para liderar o processo de construção de um novo Museu dos Coches

E por fim: «Mas então o Museu dos Coches vai mudar de tutela?»

No final aproveita ainda para manifestar que vai olhar com atenção para a solução referida no artigo do Expresso para a reinstalação da Biblioteca do ex-IPA e do ex-CNANS.

A crise anunciada é real e resultante da falta de uma política cultural definida, da falta de definição do papel do Estado e dos seus objectivos, que em muitos casos devem ser o do promotor voluntarista.

Esta catástrofe, de consequências ainda totalmente imprevisíveis até para a economia, está a tempo de ter o seu rumo corrigido.

Só com uma rectificação, pensada e executada de forma séria, se poderá inverter o deprimente e caótico panorama que actualmente se vive. Esta, no seu todo, é o grande desafio do actual Ministro – ter a coragem de reconhecer os erros, mesmo que de outros, e propor emendar o que está mal.


15 de Julho de 2008


Rui Boaventura

Mensagem publicada no "Archport" por ocasião da entrevista do Ministro da Cultura no canal SIC Notícias, programa "Dia D" de 15 de Julho de 2008.

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