Para uma solução condigna

Muito gostaríamos que este pudesse vir a ser apresentado, no futuro e mormente em época de eleições, como um caso de sucesso da actual governação.
Ou seja, que, apesar de não se ter preocupado devidamente e em tempo oportuno, com a solução a dar ao que provisoriamente ali ficara instalado, conseguiu, em escassas semanas e mercê da congregação dos esforços dos ministérios envolvidos, lançar mãos a uma solução condigna, que lhe enaltece a eficácia.

José d’Encarnação


23 junho, 2008

A inacreditável situação a que se chegou, no que respeita às instalações do extinto IPA

A inacreditável situação a que se chegou, no que respeita às instalações do extinto IPA, reflecte uma completa incompetência e irresponsabilidade por parte do Ministério da Cultura, que aceitou que o Ministério da Economia construísse um novo Museu dos Coches no espaço onde se encontram actualmente instalados, além da melhor Biblioteca especializada em Arqueologia, cedida pelo Instituto Arqueológico Alemão em 1998, e entretanto largamente enriquecida com o resultado das permutas dos 19 números da Revista Portuguesa de Arqueologia e os 40 volumes monográficos dos Trabalhos de Arqueologia desde então publicados pelo IPA, o que resta dos serviços daquele Instituto, nomeadamente:

- a Divisão de Arqueologia Preventiva, que coordena a intervenção no terreno das 10 extensões territoriais, serviço absolutamente essencial para assegurar o cumprimento da Legislação em vigor, relacionada com a salvaguarda do património arqueológico, e o cumprimento das exigentes directivas comunitárias nesta matéria, condição indispensável para a atribuição de fundos comunitários;
- o Arquivo da Arqueologia Portuguesa, onde se encontra depositada toda a documentação oficial referente a mais de 50 anos de investigação arqueológica;
- o Endovélico, uma base de dados que integra mais de 25.000 sítios arqueológicos, e que já registou mais de 120.000 consultas, e que constitui um elemento indispensável para a gestão e salvaguarda do património arqueológico;
- o Centro de Investigação em de Paleoecologia Humana e Arqueociências (CIPA), que integra os Laboratórios de Paleoecologia e Arqueobotânica, Arqueozoologia, Bioantropologia e Geoarqueologia e Paleotecnologia, que é o resultado do intenso trabalho de um pequeno grupo de investigadores, altamente qualificados em áreas absolutamente essenciais para a investigação arqueológica, e que já produziram mais de cinquenta relatórios especializados, disponíveis para consulta aos interessados,
- enfim, as instalações da Divisão de Arqueologia Náutica e Subaquática, o único serviço responsável pelo inventário, investigação e gestão do riquíssimo património arqueológico subaquático existente ao longo da costa portuguesa, o qual é objecto da cobiça dos caçadores de tesouros de todo o mundo, em cujos laboratórios se conservam inúmeros vestígios de navios com centenas de anos, laboriosamente removidos do fundo do mar ou das zonas húmidas do litoral costeiro.

Tendo em consideração os compromissos políticos publicamente assumidos pelo governo de promover uma série de empreendimentos públicos, com o pretexto de assinalar o 1º Centenário da República, que ocorrerá dentro de apenas 27 meses (!), e que as eleições legislativas de que resultará o governo que irá comemorar o 5 de Outubro de 1910, terão lugar dentro de pouco mais de um ano, pelo que convirá ao governo que essas obras “de regime” estejam já adiantadas, aquando das eleições, configuram-se dois cenários possíveis:
Ou o governo, face à grave crise económica e social que se avizinha, recua nas suas intenções, dando mais atenção às pessoas do que ao betão, e põe de parte projectos megalómanos e de necessidade mais que duvidosa, como o famigerado novo Museu dos Coches (para já não falar do novo aeroporto, do TGV, e de outros tantos “elefantes brancos”, que o governo parece tanto apreciar) o que seria desejável, embora altamente improvável, e então haverá tempo suficiente para repensar toda a orgânica do Ministério da Cultura, e corrigir, na medida do possível, o completo disparate que foi a aplicação do PRACE;
Ou então, seremos mais uma vez postos perante um facto consumado (lembram-se da Casa de Garrett, demolida num fim de semana ?), que será o puro e simples e encaixotamento e desmantelamento de todas as infraestruturas penosamente construídas pelos arqueólogos, com o apoio do governo socialista, entre 1997 e 2002, aproveitando os meses do Verão, seguido da escavação, das fundações do tal Museu, longe da vista dos arqueólogos, não vão estes encontrar algo susceptível de atrasar as obras...

É claro que se esta última situação implicar a completa paralisação dos serviços de arqueologia preventiva durante alguns meses, isso poderá facilitar muito o avanço de inúmeras obras públicas e privadas e de alguns PINs ( ditos “Projectos de Interesse Nacional” !), tão acarinhados pelo Ministério da Economia e pelos seus “patrióticos” promotores, sempre tão preocupados com o “interesse da Nação”...

O pior é se depois os tão cobiçados milhões do QREN tiverem que ser devolvidos, por incumprimento da legislação comunitária, risco que o governo decerto não quererá correr.

Por isso quero acreditar, tal como o Prof. José d’Encarnação, que o governo irá decerto encontrar uma solução inteligente para o problema que criou.

Torna-se, assim, urgente, “ajudar” o governo a encontrar a tal solução, através de uma mobilização geral não só dos arqueólogos e do seu pequeno mundo, mas de todas as pessoas e entidades susceptíveis de impedir a consumação de mais um gravíssimo atentado à Inteligência, à Cultura e ao Património do país.

José Morais Arnaud, Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses

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